A Beleza que Passa Despercebida: O Que Estamos Deixando de Ver?
- Hielko Hayne
- 6 de jun.
- 3 min de leitura
Vivemos como se tudo fosse urgência. O despertador toca, o dia começa, e já estamos nos jogando em listas de tarefas, compromissos, metas. Mal abrimos os olhos e já nos colocamos em movimento. Mas, nesse ritmo acelerado, uma pergunta sutil insiste em ecoar: o que estamos deixando de ver?

Há uma beleza silenciosa no cotidiano. Uma poesia miúda nas coisas simples: o cheiro do café recém-passado, o sol atravessando as cortinas, o riso espontâneo de alguém na rua. São pequenos milagres ordinários, que acontecem todos os dias, mas que a pressa nos impede de perceber.
Zygmunt Bauman, ao descrever a modernidade líquida, alertou que tudo hoje é passageiro: relações, valores, experiências. Corremos o tempo todo atrás de algo que está sempre um pouco à frente, um novo resultado, uma próxima fase, um amanhã mais promissor. Mas, ao viver em função do futuro, vamos nos anestesiando para o agora. E o agora é onde tudo, de fato, acontece.
Essa desconexão do presente não é apenas prática, mas existencial. Jean-Paul Sartre dizia que somos “condenados à liberdade”, o que significa que a existência não tem sentido pronto, ela depende do que escolhemos fazer com ela. E se não escolhemos olhar, sentir, parar... então o mundo segue, mas não nos toca. Vivemos, mas não habitamos.
A contemplação como resistência
Mais do que nunca, perdemos a capacidade de contemplar. Byung-Chul Han, filósofo sul-coreano, fala sobre a "sociedade do cansaço", onde a exaustão não vem apenas do excesso de tarefas, mas da ausência de pausa, de silêncio, de sentido. Sem tempo para contemplar, ficamos presos à superfície das coisas, e o belo exige profundidade.
Contemplar não é luxo. É necessidade humana. A contemplação nos reconecta com a vida em seu estado mais puro. Quando tiramos os fones de ouvido e escutamos a cidade; quando caminhamos sem destino e notamos a dança das folhas ao vento; quando comemos com atenção plena e sentimos o sabor... algo dentro de nós também desperta.
Maurice Merleau-Ponty defendia que o corpo é nossa forma de estar no mundo. E é por meio da percepção, da escuta, do toque, do olhar, que damos sentido à existência. O mundo não é um cenário pronto, ele se revela conforme nos disponibilizamos a vê-lo.
Pequenos gestos, grandes recomeços
É claro que nem sempre é possível desacelerar. A vida cobra, exige, empurra. Mas talvez não seja necessário parar tudo, e sim aprender a pausar por dentro. Respirar entre um compromisso e outro. Sentir os pés no chão antes de uma reunião. Olhar pela janela, nem que seja por trinta segundos. Pequenos gestos como esses não mudam o mundo, mas mudam a forma como o sentimos.
No fundo, a beleza da vida não desapareceu. Ela continua ali, firme, escondida nos detalhes. Fomos nós que nos afastamos. E o que esse afastamento nos custa? Talvez mais do que imaginamos. Porque, ao deixar de ver a beleza do mundo, também nos esquecemos de ver a beleza em nós mesmos.
Voltar a olhar não é só um gesto estético, é um ato de resistência. Um modo de existir com mais sentido, mais presença e mais humanidade.
Referências
Bauman, Z. (2001). Modernidade líquida. Zahar.
Han, B.-C. (2017). A sociedade do cansaço. Vozes.
Merleau-Ponty, M. (1999). Fenomenologia da percepção (3ª ed.). Martins Fontes.
Sartre, J.-P. (2007). O ser e o nada: Ensaio de ontologia fenomenológica. Vozes.
Weil, S. (2003). A gravidade e a graça. Assírio & Alvim.
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