Como a Depressão Altera a Nossa Percepção da Realidade
- Carolina Leles
- 3 de jun.
- 2 min de leitura
Quando falamos em depressão, quase sempre pensamos em tristeza profunda, perda de energia e falta de motivação. No entanto, o impacto desse transtorno vai além do humor: ele muda a forma como o cérebro interpreta o mundo. É como se colocássemos lentes escuras que recalibram circuitos perceptivos e emocionais, tornando o ambiente menos vívido, menos seguro e, sobretudo, menos esperançoso.

A lente cerebral da depressão
Perceber não é mera recepção de sons ou imagens; é construir significado. Essa construção depende da interação entre o córtex pré-frontal, responsável por avaliação racional; a amígdala, que sinaliza relevância emocional; e o hipocampo, que consolida memórias. Em estados depressivos, exames de neuroimagem mostram que o córtex pré-frontal fica hipoativo, dificultando o balanço entre emoção e razão; a amígdala permanece hiperativada, rotulando estímulos neutros como ameaçadores; e o hipocampo encolhe ou funciona mal, armazenando menos lembranças positivas e reforçando as negativas. Esse rearranjo das redes cria uma lente cognitivo-emocional que privilegia informações desagradáveis e ignora as favoráveis.
A alteração perceptiva se reflete na maneira como interpretamos rostos, vozes e até sensações corporais. Pesquisas de meta-análise indicam que pessoas deprimidas subestimam expressões alegres, superestimam tristeza e raiva e escutam críticas onde elas não existem. No corpo, a depressão aumenta a sensibilidade à dor, reduz o prazer dos sabores e aromas e desregula o ritmo circadiano, fazendo o tempo parecer mais lento e pesado.
Esses achados se alinham à psicologia cognitiva: catastrofização, generalização excessiva e desqualificação do positivo são manifestações psicológicas de circuitos cerebrais que perderam o ajuste fino. A mente passa a selecionar eventos negativos, ampliá-los em importância e fixar-se neles por ruminação, criando um círculo vicioso em que a realidade parece confirmar, a todo instante, a visão pessimista.
Existe reversão?
Felizmente, o cérebro é plástico. Psicoterapia (especialmente a Terapia Cognitivo-Comportamental) ajuda o córtex pré-frontal a retomar o controle sobre a amígdala, contestando interpretações enviesadas. Antidepressivos, em especial ISRSs e moléculas de ação rápida como a cetamina, podem restaurar a neurogênese hipocampal e reequilibrar os circuitos de recompensa, devolvendo responsividade a experiências positivas. Exercícios aeróbicos elevam os níveis de BDNF, reforçando novas conexões sinápticas, enquanto práticas de mindfulness fortalecem a rede de atenção executiva, permitindo notar estímulos agradáveis antes ignorados.
Conclusão
Depressão não é apenas um estado emocional; é uma reconfiguração perceptiva que distorce a leitura de rostos, vozes, sabores, memórias e até do tempo. Compreender essa profundidade ajuda a combater o estigma e aponta caminhos de tratamento que visam restaurar não só o humor, mas a própria experiência de realidade.
Referências
Harmer, C. J., Goodwin, G. M., & Cowen, P. J. (2023). Altered emotional processing in depression: A meta-analysis of perceptual tasks.
Drevets, W. C. (2022). Mood-congruent processing and the neurobiology of major depressive disorder.
Beck, A. T., & Haigh, E. A. (2018). Advances in cognitive theory and therapy: The generic cognitive model.
Malhi, G. S., & Mann, J. J. (2018). Depression. The Lancet.
Gostou deste conteúdo?
Continue acompanhando o blog para mais artigos sobre bem-estar, comportamento, carreira e desenvolvimento humano.
Porque aprender também é sentir!
Comments